O consumo do crack pode causar impactos profundos nas relações sociais e familiares do usuário. Quando o uso da droga se torna frequente, a pessoa deixa de sentir prazer em outros aspectos da vida, como o convívio com parentes e amigos. Toda a dinâmica familiar e social é afetada por esse comportamento, fragilizando os relacionamentos.
Segundo a psicoterapeuta familiar Eroy Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o uso abusivo do crack está associado ao isolamento, perda ou afastamento do trabalho, estreitamento do repertório social e problemas familiares como separações conjugais, deterioração da convivência e isolamento. “O usuário se afasta do círculo familiar e dos amigos e passa a maior parte do tempo sozinho consumindo a droga ou com pessoas que também fazem o uso. As relações são caracterizadas mais pelo consumo coletivo da droga do que por vínculos afetivos”, afirma.
No casal, a relação de cumplicidade e o cuidado com o relacionamento deixam de existir – a droga passa a ser o centro das atenções. “O usuário de crack não consegue se organizar, ter ritmo, ser constante. Além disso a depressão e a angústia o impedem de cuidar de outros e mesmo de estabelecer relações estáveis”, explica a psicóloga Raquel Barros, da ONG Lua Nova.
“A perda da guarda de filhos é uma consequência comum. A criança precisa de cuidados especiais, ritmo e relações saudáveis para que possa se desenvolver. O uso constante de crack é inversamente proporcional aos cuidados necessários que um pai ou uma mãe devem dar”, reforça. Neste sentido, o resgate das relações de apoio e/ou dos vínculos familiares é aspecto importante para o tratamento e a reinserção social do usuário.
O uso do crack tende a fragilizar todas as pessoas que fazem parte da vida do dependente e sentimentos como desespero, angústia e medo acabam por permear as relações familiares. “Diante da droga, muitas famílias acabam se escondendo e se culpando, pois têm de enfrentar mais problemas do que aqueles que já estão habituados a encarar. É um movimento que gera mais fragilidade e impotência e reforça ainda mais o espaço da droga na vida das pessoas”, acredita.
Ela ressalta, entretanto, que essas situações são muitas vezes causa e conseqüência do uso da droga. “Em relações frágeis, o uso do crack acaba potencializando a fragilidade e acentuando ainda mais as dificuldades que já existiam”, diz.
No áudio e no vídeo a seguir, um ex-usuário de crack fala sobre os impactos da droga em seu comportamento e como conseguiu se recuperar.
Um ex usuário de crack fala sobre os impactos da droga em seu comportamento e como conseguiu se recuperar
‘‘O crack está destruindo o mundo em si não só uma casa, ele está destruindo a personalidade de uma pessoa, todo o caráter que ela tem. Acaba com a vida, não só com a sua, mas ele afeta no mínimo, 10 a 15 pessoas. Porque afeta trabalho, vai afetar casa, vai afetar família, e principalmente vai afetar sua cabeça, sua dignidade, sua moralidade.
Comecei a usar droga por incentivo de amigos, eu tinha um amigo que agente se conhecia desde os 5 anos de idade, eu fiquei sabendo que ele usava a maconha e eu quis saber o que era, eu percebi que não estava tendo graça, eu precisava de alguma coisa a mais. Ai eu comecei usar o crack pra poder ter uma vida diferente, que eu achava que poderia encontrar nele. Eu trabalhava na época como professor de inglês, ai depois tentei dar aula de novo , não deu, eu não conseguia me locomover, eu ficava parado estático. O principal valor que eu tinha eu estava perdendo, o emprego e minha mãe, os dois. Comecei a dever em banco, comecei a passar check em falso. Eu nunca cheguei a roubar literalmente, mas assim, eu tirava coisas da minha casa e vendia coisas do carro da minha mãe, já levei a minha mãe comigo pra comprar, já levei ela em boca comigo. Eu tinha medo da polícia e dos traficantes, então ficava aquela coisa, quem vai me defender? Ninguém. E foi quando eu me internei pela primeira vez. Eu não sabia que existia uma doença em mim, que eu tinha uma dependência química. Então mesmo internado eu comecei a trabalhar, já fazendo treinamento do trabalho, mesmo internado eu consegui alugar essa casa. Hoje a minha mãe ela não chora de decepção, espero que ela chore de alegria. A minha vida sentimental está realmente muito boa, sabe? É uma mulher que está ao meu lado no dia a dia, ela soube lidar com essa situação melhor do que eu esperava que ela ia conseguir. Então hoje eu prezo muito, eu dou muito valor ao que eu tenho. ’’